SENTIDO DA EXISTÊNCIA
Pouco importa ser poeta – o fundamental é ser poesia.
RESPOSTA DE UM JOVEM POETA
─ Então você quer ser poeta? Primeiro é preciso viver.
─ Viver?…é muito complicado. Não é mais fácil ser poeta?
DE REPENTE OLHEI PELA JANELA
(…) e a luz espessa da manhã se derramava em brisa sobre a cidade (…) e todos – vivos e mortos – continuavam indiferentes faz séculos.
INÓCUO
Meus sapatos de pelica não diminuem os impactos do mundo sobre a brisa, a manhã colorida de abril, o poema e o arco-íris.
CIRCUNSPECTA
A moça nua, nuinha e recatada em pelo.
SUBVERSIVA
Nos tempos da ditadura, quando os dias são cinza ou nas manhãs das democracias mais civilizadas do velho mundo, um filete abafado de luz sempre busca se abrigar nos porões. — Por que a poesia tem essa mania de gostar tanto da clandestinidade?
PROVÉRBIO TIRADO DO DOM QUIXOTE
Se buscas somente a lucidez, encontrarás a morte ainda em vida.
PONTO DE INTERSECÇÃO DAS SOLENIDADES
Nas solenidades, os discursos barrocos ou sóbrios convergem no aborrecimento.
VANTAGEM DO POETA DE PROVÍNCIA
Nunca serás citado em discursos: para teu sossego jamais serás sequer lido.
OBRAS-PRIMAS
Elas têm, pelo menos, uma prima distante.
CELULAR
Para facilitar a comunicação com o encarregado da fazenda lhe dei um celular. No mesmo mês me veio devolver: — Aguento não: um chato na algibeira.
CONTINUAÇÃO DA AULA DE FILOSFIA DE MARIO QUINTANA
“Eu só te poderia dar uma noção do nada se não tivéssemos nascido. Agora é tarde, é muito tarde, minha filha… Ah, deliciosamente tarde!”
Tudo, tudo – inclusive o nada – agora é só poesia, minha querida.
MATEMÁTICA DA VIDA
Um dia a mais é sempre um a menos.
CATADORES DE LIXO
Sou solidário aos catadores de lixo. Não por mera questão humanitária. Trata-se de matéria corporativa: também trabalho com inutilidades.
DESTAQUE
Uso a expressão modéstia à parte, quando pretendo sublinhar a vaidade.
CRÍTICA A AUTOCRÍTICA
A autocrítica é sempre comprometida com o beneplácito.
PONTO ALTO DA ENTREVISTA
─ E por que só escrever essas coisas miúdas?
─ É que Shakespeare já escreveu o Hamlet.
PARA UM CONTO DE DALTON TREVISAN
Olhou para o arco-íris e, por fim, compreendeu o amor. Mas aí a noite cobriu Curitiba. E a noite é um vampiro.
INVEJA DOS POETAS CHINESES
Lá eles pintam as palavras, que parecem dizer outra coisa.
TÁBUA DE SALVAÇÃO
Não fosse a reescrita, a literatura teria ficado lá pela Ilíada.
AUTODIDATA
Não aprendi poesia na escola: literatura era matéria obrigatória e eu sempre preferi as eletivas.
A PIOR COISA QUE PODE ACONTECER A UM POETA
(…) ser leitura obrigatória para o vestibular (…)
ETC
A gente passa a vida inteira preocupado com a morte, a única certeza. Isso é erro metodológico: a gente devia se preocupar mesmo era com o etc.
MESQUINHO ATÉ DEPOIS DO FIM
Era o sujeito mais avarento e meticuloso de toda a sua historiografia familiar. Não casou, não teve filhos nem amigos: ficou solitário por toda a sua existência. No testamento deixou toda a sua fortuna a um primo distante com uma condição: “A herança somente pode ser transferida depois que meu corpo foi cremado”. O primo, que lhe herdou a mesquinhez no sangue, sabendo do custo da cremação, disse num muxoxo: — Tão mesquinho que desejou ser cremado só para não dar esse gostinho ao diabo.
A MELHOR LIÇÃO DISPERDIÇADA
O que me agradava ir para o colégio era ver sua fachada majestosa e azul. Pena que os professores não falavam nisso, mas em rochas, aluviões, Schwenckia angustifolia (…).