a Diva Maria de Barros Mendes
Não há religião que salve o mistério do humano:
salva outro olhar sobre o mundo que carece tanto
de deslizar sobre as almas em veludo e total frescor
para que flores e o arco-íris não morram solitários.
Mas a verdade é que girassóis febris de beleza deliram
e não comovem além de Van Gogh.
É que Van Gogh num lampejo comove poucos,
que os apelos são outros, mais prementes:
há o pragmatismo das contas a pagar
e outras a fazer.
Despiciendo,
gerânios nas janelas sustentam a leveza da brisa.
O trânsito, o relógio, o monossílabo
e o discurso festejam a monotonia.
Tudo estanca em busca de um sentido mais denso
e um sabor de nada sobre tudo indaga da felicidade.
O verso burocrático nada diz de maio
nem do azul que cripta sob o sol.
Mas o templo a céu aberto convida à salvação
de um instante que seja, de uma ilusão,
de um sonho que fosse.
Gardênias celebram a paz, despercebidas.
(restará, talvez, a metafísica).
Mas não estaria a metafísica na matéria
– dessa folha seca que suspira no vento –
um último arquejo ao se arrastar ao chão?
Ao dizer ao vento que ainda sonha
mesmo depois da morte?
Ao dizer que nos outros existe:
a folha existe na árvore
e o outro no seu igual.
O criador mora na criatura
e nela celebra a vida.
— Spinoza: transcendência
e
imanência.
Quem sabe a exata dimensão da vida,
senão a morte?
É a morte que ensina como salvar a vida,
porque a morte apanha do chão a folha,
as flores e o humano.
A morte é, pois, didática:
salva no outro o milagre
de irmanar mistério e pó.