Deus da vida, há dias em que a carga nos desgasta os ombros e nós nos sentimos esgotados; dias em que o caminho parece monótono e interminável, e o céu cinzento e ameaçador; dias em que a nossa vida carece de música, o nosso coração está solitário e a nossa alma perdeu a coragem. Inunda o caminho com a Tua luz, nós Te suplicamos! Dirige o nosso olhar para onde o céu estiver cheio de promessas!

(Santo Agostinho)

Stop. A vida parou, Drummond,
e desta feita não foi só o automóvel.

De repente, um vírus, sim um vírus,
esse enigma que desafia os biólogos,
– pois não é célula, não se alimenta –,
não respira, não pode se locomover
nem possui autonomia de reprodução,
gritou ser a vida a mais pura fragilidade

– e este grito ecoou do oriente ao ocidente –
todos se quedaram atônitos e se refugiaram
tal qual nossos ancestrais em suas cavernas.

Todos os postulados de certeza paralisaram
a ciência, os homens de negócios, a economia;
os estadistas se viram sem discurso e decisão
e as igrejas suspenderam seus cultos e curas,
enquanto a ciência se assustava ante a metafísica.

É certo que alguns fiéis invocaram o hedonismo
e ressuscitaram o Deus do Antigo Testamento
– vingador e implacável com o pecado –,
mas o Papa olhou para Cristo crucificado

– todo bondade e acolhimento –
e perguntou: por quê, Senhor?

Houve um silêncio perturbador por sobre toda a Terra
em tal medida que as palavras não socorreram os poetas.
Em verdade, poucas foram as palavras que sobraram:
medo, angústia, solidão, doença, morte, colapso e fé.

Talvez aos poetas tenha restado a fé, menor das palavras.
E com ela é que penso paradoxalmente, em ti, Drummond,
curiosamente um agnóstico que tinha fé no homem, teu irmão.

Sei, cara: houve poesia depois de Auschwitz
– digo isso pensando nas deusas Niké e Atena –

No silêncio abissal da existência vou à janela:
e ali vejo uma nesga azul no céu de abril:
esgaçado azul, dilacerado azul, triste azul,
azul desbotando para o cinza esquálido,
(azul pisado nos olhos cansados da insônia):
azul esgarçado e escuro, mas ainda azul
entrecortado de soluços e desespero.