Poemas

VALMIR

Naquele tempo o mundo flamejava em nossas mãos e nem sabíamos, porque o mistério às vezes é simples – o quanto pode ser simples o mistério da infância –: o dia galopando no dorso alado do ócio todo colorido. O tempo deslizava farfalhando o vazio do nada e a vida não era uma indagação feroz e urgente. (a vida era […]

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PRIMEIRAS AFLIÇÕES

Entre urtigas e brisa o universo girava e ainda não existia Freud ou a história para me explicar do amor e do ódio que habitam o mesmo espaço do azul. No cine Art Palácio nas tardes de domingo havia o artista que lutava em nome do bem e por quem torcia entre gritos e aplausos (o outro era o bandido […]

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EPIGRAMAS DEDICATÓRIA A MARIO QUINTANA E OUTROS

DEDICATÓRIA A MARIO QUINTANA Aceita, Mario, este plágio, de autêntico apreço. GRATIDÃO a Mirella Monte Ajudar é a recompensa por existir. PARCERIA Se eu houvesse privado com Mario Quintana faria a proposta de voltar ao Alegrete: — Vamos a tua infância: apura o ouvido aos grilos que eu seguro a lamparina. CUIDADO Nem sempre a risada será frouxa, muitas vezes, […]

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EPIGRAMAS CANTADAS

CANTADA BARATA E LÍRICA O que sinto por você nem o dicionário nem os poetas sabem dizer. ● CANTADA PUERIL Eu ainda sou virgem, porque nunca te amei. ● CANTADA DA FASE AZUL  Sobre a neve as nuvens expandem o branco e teus olhos debaixo do céu prorrogam o azul. ● CANTADA CULTA Depois de ler todos os poetas do […]

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FORMAÇÃO

a João Neto Aprendi o belo no farfalhar das bananeiras ao som dos pássaros e alvoroço do quintal – entrecortado de silêncio e brisa infinita – (principalmente de silêncio em cristal): silêncio puro sem propósito sem mais nada (o silêncio que contempla sem indagar, sem responder: o silêncio que respira): ali ficava enamorado da brisa fiando o tempo (e o […]

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PARA ONDE?

Sou seguidor de quem também me segue, mas não sabemos, ainda, para onde vamos: estamos em um mar nunca dantes navegado, infinito mar de náusea e vulgaridades expostas (delicadamente expostas com um verniz de arte) e tudo tão próximo tão distante, real e ilusório – as pessoas estão ali e se mostram tão vivas –, mas me falta calor, afeto, […]

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A FOGUEIRA

a Alexandre Lago Era uma noite fria e muito escura (…) os poetas resolveram fazer uma fogueira (…) Homero trouxe o maior carregamento de madeira (…) Virgílio observou demorado as toras vindas da Grécia (…) Dante se comprometeu com o fogo (…) Shakespeare reorganizou a disposição da madeira de um modo muito peculiar (…) Camões imaginou a fogueira iluminando o […]

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ECONOMIST

Em Brasília, entre a aurora e o crepúsculo, economistas testam teorias advindas de Harvard: mostram estatísticas, onde a fome e o desemprego são fatores de equações complexas. Nas teses de economia, urdidas em altos gabinetes, o trabalhador não se desespera em filas meses a fio. Nos cadernos de economia de todos os jornais, não apareceu que ontem um trabalhador brasileiro, […]

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AS FIGURAS DE LINGUAGEM VÃO AO ANALISTA

a Fernando Calsavara Catacrese: — O primeiro complexo é com meu nome. Que nome mais feio! Não tinha outro para me batizar? Penso em coisas estranhas como por exemplo cabeça de prego e o pior é que as pessoas terminam achando isso normal. Será que estou enlouquecendo? Comparação: — Difícil reconhecer, mas confesso que morro de inveja da metáfora, bem […]

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GRITO DE LIBERDADE

Onde houver ditadura, eu serei um grito, ainda que torturado. ETERNIDADE Foi um período de breve (sic) ditadura. REVOLUÇÃO DOS LÍRIOS Não acredito nas revoluções: acredito nos lírios, que sabem suportar as contradições humanas e só florescem na democracia. DESUMANO Nas democracias, o eleitor prova que errar é desumano. LIMITE Nenhum governante consegue ser mais estúpido que seu povo. ESQUADROS […]

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ABISMOS AZUIS

Havia algo inquieto no sossego do quintal entre as galinhas, patos e alaridos vários e depois o silêncio denso na água do poço (ali estava tudo que não podia ser dito). Notava que os adultos me escondiam algo: — Isso não é assunto para criança! Cresci com esse sentimento definitivo: a espreitar o trágico se urdir no mundo. Tinha esperança […]

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LAMPARINA

a Fátima Nancy Andrighi Só quem viu uma lamparina acessa pode dizer da ancestralidade da luz: uma ancestralidade não primacial do fogo, das fogueiras, das tochas, mas da luz que acaricia os olhos com a cumplicidade do flandres moldado pelas mãos do artesão (pelas mãos de Joaquim Aranha), imitando a lua ao iluminar a rua e guiar o humano na […]

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A GAIOLA VAZIA

Quando meu pai chegou com o passarinho na gaiola foi uma alegria tão forte e encantadora difícil de dizer. Tinha eu cinco anos e aquele o mais belo presente: cismei que o passarinho devia dormir no meu quarto – e Babá, que fazia tudo por mim, cobriu a gaiola – (e o passarinho dormia ao pé da cama toda noite): […]

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NÓDOA

a Luiza Cantanhêde Não cantes tua cidade, deixe-a em paz — aconselhou o poeta de Itabira — mas quando a cidade se entranha na gente tal nódoa de caju, de bananeira no verão, escorrendo na pele, penetrando a carne e circulando no sangue para sempre? e na gente vai habitar nos abismos do ser e planta raízes fundas de brisa […]

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BOI DO LOBATO

a Américo Azevedo Neto Bumba meu boi, lamento em festa, melancolia e brilho: os artistas, feiticeiros da luz a rasgar os olhos das trevas, sabem que todo o sonho da noite é se fazer celebração por isso rufavam os tambores nos folguedos de junho: um menino em êxtase sentia a terrar tremer de alegria ao som das matracas a tilintar […]

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BELEZA DOS VAZIOS

a Hélio Melo de Lima De repente as coisas poderiam ter outro nome, outra textura, cheiros e tonalidades de silêncio: percebia o vento farfalhar em algazara no quintal e a lua se esgueirava na cerca se mirando no poço. O mundo (meu mundo) estava ali todo pronto, mas sentia que bananeiras e o musgo cochicavam como se conspirassem desejos de […]

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BARRICADA

a Jaqueline Alexandre Ah!, como espanta o exegeta burocrata ao apreciar os números que não gritam – por ignorar o apagar de tantas vidas e de outras que quedaram destroçadas. No mundo da burocracia empertigada tudo é impermeável à dor, a todo sentir: resultado de brutal destino da natureza em que a vida deriva da força dos fortes (os fracos […]

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O ESPETÁCULO

Naquele sábado o azul gritou tão forte e as nuvens deixaram o céu todo livre para as loucas acrobacias do Jacir: o avião subia tanto até a vista perdê-lo e eis que parecia um parafuso alucinado a se desenroscar em todo desassossego num ll o o o o p p i i n n g g inesperado, assustador, cortante e […]

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MENINO JESUS

Bem poderia ter nascido Cristo lá em casa tamanha hospitalidade em acolher o simples: de um tocante, de um cândido tão delicado do orvalho deslizando numa parede nua. Mamãe armava a árvore de natal em Santa Inês lá na rua da Raposa, nº 114, onde nada chegava: nem cesta de natal nem cartões nem convidados. A árvore de natal de […]

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Espanto

Aquele revolver de azul, brisa, bichos, coisas, folhas no farfalhar do vulgar de intensa beleza em danação era o invento da vida em alucinada aflição e doçura onde o tudo e o nada escorriam ao mistério. E tudo que se explicava se revoltava contra a lógica e o mistério continuava a fluir em novas indagações – criando explosões de epifanias […]

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RÉQUIEM

a cidade está no homem quase como a árvore voa no pássaro que a deixa (Ferreira Gullar)   Não digo repouso eterno, pois é toda ebulição: sol abrasador e noite de todos os abismos azuis que me arrastam na vertigem feérica da infância. Uma cidade – inventada e real – habita o menino desatando o arrastar alucinado do tempo e […]

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TÃO TÃO AVENTUREIRO

Tão Tão Aventureiro não é herói, menino dos pedaços de todos nós (de medo e coragem ele se constrói): com suas peripécias nos dá voz. Tão Tão Aventureiro nasceu da dor, da luta contra quem massacra o menor (não deseja se vingar, mas ofertar amor) livrar do humano o mal, desatar esse nó. Tão Tão Aventureiro traz nas mãos a […]

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Epigramas e Minicrônicas – Parte 3

RAIMUNDINHO, O INCONVENIENTE Raimundinho é aquele cara que fala, naturalmente, as coisas mais impróprias. Talvez Freud dissesse que se trata de um sujeito sem superego. Por isso nós, seus conhecidos (conhecidos, porque impossível ser amigo do Raimundinho: nunca se soube de qualquer amigo dele em suas sucessivas reencarnações), o batizamos com um aposto: o inconveniente. Enfim, Raimundinho é aquele camarada […]

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Epigramas e Minicrônicas

A DUPLA FACE DO ROMANTISMO As mulheres amam diamantes, mas os homens teimam em mandar flores. O HOMEM E A SUA CIRCUNSTÂNCIA a Graça Vilhena Joana torna a vida de Amarildo um inferno: implica, desrespeita e humilha. Só não se separa dele por não querer vender o carro adquirido na constância do casamento. Desempregado e para não perder o convívio […]

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REGALO

a Paulo Rodrigues Ao acaso agora assisto Viagem de Inverno de Schubert (baseada nos poemas do romântico Wilhelm Muller) é claro que um poeta tropical não iria pensar em neve: foi a chuva que veio à janela tal um passarinho molhado e festejou entre alaridos e silêncio a festa da melancolia. Não sei ao certo se aquela foi a primeira […]

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EPIGRAMAS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO Que bom seria se entendêssemos que o silêncio também é liberdade de expressão. — Ah, que bom seria! FEROCIDADE Recebo de uma amiga pelo whatssap a justificativa pela falta de contato: — Desculpe, amigo, é tanta a correria que nunca mais falamos. — Contra a ferocidade da vida, amiga, nem os poetas nem mesmos os astrofísicos nada […]

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MATUTANDO

a Liratelma Cerqueira Fuligem e flor de manhã azul-banal zunindo entre negócios, adultérios e juras de amor. (escorregadias e vagas as horas fluem reptícias carcomendo a vida) A vida, esta pergunta infinita e urgente para qual todas as respostas incompletas. Esse encantamento que se dilui entre ciência e filosofia – entrecortada da mais sofisticada teologia há séculos – flui entre […]

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LÍRICA E HERMENÊUTICA

Nunca escrevi um verso para minha mãe, porque ela me deu todos os poemas: inclusive os que nunca li nem consegui escrever. Num dia da minha infância, mãe olhou pro céu e disse: ─ Sabe por que o céu é azul? Pra colorir a nossa vida em preto e branco. Menino treloso que era, percebi que ela guardava cacarecos: copos […]

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PANDEMIA

Deus da vida, há dias em que a carga nos desgasta os ombros e nós nos sentimos esgotados; dias em que o caminho parece monótono e interminável, e o céu cinzento e ameaçador; dias em que a nossa vida carece de música, o nosso coração está solitário e a nossa alma perdeu a coragem. Inunda o caminho com a Tua […]

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ATÉ QUANDO?

a Daniela Mello Clarice tinha os olhos verdes (do verde que visita o Pacífico) daquele intenso das esmeraldas (da esperança incendiada na vida). Os olhos de Clarice eram profundos – até quando pode ser o infinito – mergulhados num veio melancólico de quem sabe a vida puro mistério. Clarice conheceu o amor, a paixão: seus olhos profundos só viam João […]

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