Poemas

ESTRANHEZA

(a Kelson Veras)                                                     Um astro anão amarelo-fogo de 4,5 bilhões de anos, de 15,7 milhões de graus Celsius, de hélio e nitrogênio, rasga uma vez mais essa manhã diante de teus olhos: a uma distância de 150.000.000 de km desse planeta tendo a circunferência de 4,3 milhões de quilômetros, o […]

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NATAL

A cidade inteira se acende em ruas e avenidas, as mulheres enfeitam de luzes suas moradas e os olhos das crianças brilham mais intenso. Haverá, então, uma festa em grande celebração. A reunião em torno de presentes e vinhos: a família está eufórica, conversas animadas entrecortadas por sorrisos, brindes, fotos, doces e música, porque enfim é natal, mas não ainda […]

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COTIDIANO DA PROVÍNCIA

José Ribamar, maranhense de nascimento e coração entra na rua em vão: passa pelo mesmo tocador de pífano, cego do mesmo olho, encostado à esquina do mesmo sobrado cuja fachada dos mesmos azulejos lusitanos. Em tarde de poucas nuvens, José Ribamar casou com Maria Antônia (dali a 10 meses nascia José Ribamar Jr.) José Ribamar Jr, maranhense de nome e […]

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PASSAMENTO

O poeta vai deixar: amigos, livros, sonhos, a madrugada solitária. Esta sua última noite no mundo e não é mais possível o verso nem a namorada, nem as flores: a revolução juvenil, os movimentos literários que se perderam nos bares ou na lógica mais estéril (eram tantos sonhos a iluminar a vida). Agora a morte não é só palavra, transfiguração […]

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DESCOBERTA

Saber mesmo quem sou, não sei e é isso que procuro desesperadamente por entre retratos, livros, rostos, cheiros e histórias (meus avós morreram e tantos parentes ), não tive irmãos: sobraram esses olhos melancólicos essas mãos vazias e esse gosto pelo silêncio que compõem uma imagem de angústia no espelho. Agrego vocativos: doutor, professor, poeta. – aos quais respondo sem […]

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ÁFRICA

Toda essa costa sinuosa dessa negra sensual bem se acopla ao litoral da América do Sul, não fosse a solidão do Atlântico de permeio em dores dilaceradas de nações inteiras. Nem o ouro de Gana, todo Bilad al-Sudan e o império do Mali (do deserto ao oceano) valeria desafiar o mar tenebroso e monstros fazendo tremer toda descendência lusitana. Mas […]

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ESQUINA

Engenheiro Couto Fernandes, arremedo de rua: seis casas e meu mundo e o velho casario encobrindo a lua. Tantos sonhos por lá ficaram dormindo ─ que é próprio dos sonhos dormir ─ Nunca se sonha completamente acordado: e agora que volto a esta esquina tanto anos depois os reencontro, muito embora tantos desistiram e morreram dormindo como anjos: não suportaram […]

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POLÍTICA. EPIGRAMAS

CIÊNCIA POLÍTICA Os livros de ficção científica não me empolgam: talvez por que sempre fui leitor de ciência política. JUSTIFICATIVA ─ Com a tua popularidade, por que não te candidatas? ─ É que fui reprovado em teste para ator. ETERNIDADE Foi um período de breve (sic) ditadura. COTIDIANO E ARBÍTRIO Nas ditaduras não há gavetas. DESUMANO Nas democracias, o eleitor […]

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UM PAÍS

Uma fuligem foi embaçando a beleza; uma crosta na retina cegando o povo – logo se viu um país irreconhecível com ídolos ocos e sem horizontes (havia tanta identidade nessa gente). Aonde anda o bruxo do Cosme Velho mais conhecido por Machado de Assis que tinha por ofício coser entrelinhas de fina ironia ao se ocupar do humano? (Harold Bloom […]

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SENTIDO DA EXISTÊNCIA E OUTROS EPIGRAMAS

SENTIDO DA EXISTÊNCIA Pouco importa ser poeta – o fundamental é ser poesia. RESPOSTA DE UM JOVEM POETA ─ Então você quer ser poeta? Primeiro é preciso viver. ─ Viver?…é muito complicado. Não é mais fácil ser poeta? DE REPENTE OLHEI PELA JANELA (…) e a luz espessa da manhã se derramava em brisa sobre a cidade (…) e todos […]

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O ANJO TITA

Vida, descortinar feérico a desafiar nossos limites (carente, pendente, frágil – a poesia e o humano): – aqui estamos estendendo as nossas cálidas mãos a encontrar outras mãos inseguras, gélidas ou cálidas a buscarem nossas mãos frias, vacilantes e solitárias até que todas as mãos se tornem cálidas ao coração. Felicidade, engenho a se reinventar na arte de viver: viver […]

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AS INTÉRPRETES

Escrevi um epigrama intitulado Algumas inutilidades com o seguinte conteúdo: “Na última faxina encontrei algumas inutilidades: a) carteira de trabalho; b) título de eleitor; e c) um toco de vela”. A minha intenção era bem prosaica: tentei me referir ao desemprego, à minha falta de opção política, igualando a carteira de trabalho e o título de eleitor a um objeto […]

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BUSCA

É necessário algo que mova tudo isso, essa engrenagem enorme a que se chama mundo, e na qual estamos jogados, submersos, imersos em flocos de nuvens, por vezes cinza, triturados pelo relógio, a avenida, o salário – ausentes de nós mesmos – nas promoções dos shoppings mais diversos: a minha, a tua, a vida de Antônio e a de Maria. […]

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ALGUMAS INUTILIDADES

ALGUMAS INUTILIDADES                            a Myllena Lima Falcão Na última faxina encontrei algumas inutilidades: a) carteira de trabalho; b) título de eleitor; c) um toco de vela. ORIGINALIDADE A originalidade resulta de uma trama bem urdida do plágio. SAUDAÇÕES De duas maneiras sou saudado. Uma em qualquer parte do […]

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COISAS QUE CALAM

O que perece flutua no eterno onde faz silêncio e por isso quem morre é teu vizinho indiferente, o parente muito distante: um homem desconhecido que morava no Méier (que antes de morrer, matou a mulher e o amante é só uma notícia de jornal tão distante de tua vida) A morte, um fantasma que habita nos outros, parece impermeável […]

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CONTRADITÓRIO E OUTROS EPIGRAMAS

EUFEMISMO A mentira, por vezes, é delicada como um cristal. OXIGÊNIO Sem sonho a realidade morre asfixiada. DISCÍPULO Se Albert Einstein, que era um gênio, dormia 10 horas por dia, devo necessitar ao menos do dobro desse tempo. SÁBIO CONSELHEIRO Escute sempre o silêncio, ele sabe calar os idiotas. CARNE VIVA Quando me ler, cuidado: estou em carne viva. DESPERDÍCIO […]

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RECORDAÇÃO

Tanta coisa extravia a existência e um dia se perde à eternidade: assim o relógio repete a hora, assim o homem no peitoril, a mulher esquecida na sala. As coisas ao redor nasceram para a morte e soluçam ao ver tanto azul desperdiçado. Veja o dia: esplêndido e vigoroso irá morrer: e ao morrer oferta o crepúsculo em vão. O […]

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NO BAR

Ainda era manhã e os homens começaram a beber. No bar, os homens bebiam e a tarde seguia seu curso, enquanto o relógio funcionava sem questionar as horas e o porquê das coisas. No bar, os homens não viram a noite chegar e servir – de bandeja, a lua – enorme esfera cintilante gritando em amarelo por Van Gogh. No […]

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EPIGRAMAS: ESPLENDOR DA BRUTALIDADE

PARAÍSO DESOLADO Os humanos fazem a guerra e depois da terra desolada se dedicam à poesia. Sem demora voltam à guerra. Não há dúvida: o destino humano é se perder do paraíso. A BANALIDADE POR VEZES É SONHO Hoje, dia 01.04.2022, todos os habitantes da Ucrânia sonham apenas estar em casa e em paz. TEMPOS SOMBRIOS Há tanto ódio no […]

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NASCIMENTO

Em pétalas de silêncio, rebentando o mistério vim à luz. O choro do recém-nascido, canto de esperança, se fez música atravessando a noite. Logo veio a manhã de novembro e sol: o céu luzia no ordinário dos dias às margens do rio Mearim, em Bacabal. Todos se moviam nos mecanismos prosaicos do existir e o nascimento de um menino franzino […]

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DIÁLOGO ENTRE FOFOQUEIROS ERUDITOS E OTUROS EPIGRAMAS

DIÁLOGO ENTRE FOFOQUEIROS ERUDITOS — Mas, afinal, me diga: quem foi Shakespeare? — Isso dou de barato. E quem foi Homero? HIPERBOLE Basta uma faísca e o poeta ver um vulcão. CARTA DO SUICIDA ARREPENDIDO Ainda bem que existem as crianças e os loucos. POEMA DO SUSPIRO Ah, vida! LUAR NO TERREIRO DA FAZENDA Eita, João, a lua tem a […]

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PARTILHA

Dalí, na cesta de pão, fez a partilha (um quadro com o puro do simples): ali recitou Cristo e o novo testamento sem intentar rituais ou outros dogmas (bastou um gesto terno tal o trigo para alimentar os famintos de vida). Dalí não invocou qualquer teologia: a arte se fez teologia em puro objeto, – a mística da eucaristia no […]

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AMOR ALÉM DA FLOR

Não peço que não me esqueças, seria pedir demais – demasiado: peço que não esqueças de lembrar que não te esqueci ou esquecerei: lembrar é sempre desatar sem fim é misturar os tempos e os mundos, eterno que habita no inconsciente que flana, voa e não pousa nunca – deseja colorir carências e verdades, pois a vida necessita do incompleto: […]

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SEGREDO

Quero o poema de silêncio, reticente, de recalques, dos amores impossíveis, de dores secretas, das almas perdidas: latejando vísceras, comovendo as pedras essência de princípio burilado há séculos nas premissas mais estoicas da filosofia cujo testemunho seja a vida em ofertório de sacrifício entranhado de todo orgulho de não ceder ao seduzir do ar palaciano. Quero o poema de nervos […]

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ONDE ESTAVA A MUSA?

Onde estava a musa, quando o poeta guardou aquelas manhãs em florais?, com os olhos de melancolia em fogo (tanta pureza escorria de suas mãos e transbordava em timidez). Estaria a ninfa distraída na manhã?, quando o poeta se guardava atônito disfarçando a melancolia, a timidez sem saber o que fazer com a pureza que escorria encantada de seus olhos. […]

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SÉCULO XXI

Século XXI todo fluorescente e opaco, onde ti perdemos, sopro de esperança?, se derrubamos o muro a nos apartar?, aquele que nos legou a esquizofrenia que desenhou o mundo em bipolaridade e nos obrigou a fazer escolhas sectárias desde o dilema capitalismo-comunismo: direitos individuais e sociais em divórcio expiaram em modelos rígidos-imiscíveis; enfim voltamos a nos abraçar desde 1961: chegada […]

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PERFUME DA MORTE

Tantos os vazios no colorido da vida a lembrar Heidegger: seres à morte, cujo destino era inventar o mundo. Mas o mundo se conformou no molde e se acostumou ao medíocre do banal: a poesia se perdeu de si e da metáfora (confusa no revolver de tantos signos sem símbolos a lançar raio, luz, desejo). O mundo prêt-à-porter não se […]

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AZUL DA PÓLVORA

Em criança, descobri na pólvora o azul na Santa Inês dos crimes de encomenda. (tantos homicídios, tantos pistoleiros) Naquele tempo não sabia do homicídio (sabia da morte matada e da morrida). Um dia vi a pólvora – era brilhante. (disseram que dela se fazia balas – que depois soube ser munição) Mas a pólvora era azul! (constatei num espanto) E […]

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A JANELA

a Isabel e Sylvia A casa de batente alto e paredes nuas era toda escancarada para o mundo. A casa tinha porta e o vão da janela (a única janela em plena liberdade): a rua invadia com olhos indiscretos. E durante o dia era o desatar de toda vida: o vendedor de paladar em fatias de bolo, o filho do […]

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MANHÃ DE ABRIL EM FLOR

No dorso da manhã o pássaro acaricia a brisa, as nuvens no quintal dançam prateadas de sol. Em Santa Inês, reino do Vale do Pindaré, a manhã explode em azul para celebrar as laicas esperanças que sobrevivem ao festejar a vida. A vida, essa palavra inútil que não se traduz. A vida clara em uma folha de papel que se […]

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