OS PALÁCIOS

Sempre tive dificuldades com os palácios:
neles os meus versos tímidos, desalojados;
ali a vida plástica, abstrata, asséptica, longe,
longe das ruas,
distância segura do povo;
povo – a palavra toda oca.

Pobreza, inibidor de ousadia, trago comigo:
desde a infância as pombas me apavoram –
sempre me souberam opacas, frias e tristes,
tristes, protocolares
como um relógio de ponto,
igual ao sentinela autômato.

Os palácios – de propósito – exilam o povo:
arquitetura grandiosa e seus jardins reclusos;
seus salões enormes
repletos de bajuladores,
carentes de almas, de poesia, de sonhos pueris
(os discursos inflamadas nas praças, arrefecem).

O poder é liturgia e, sobretudo, máscaras ágeis –
a historiografia é submetida a análise protocolar:
o ajudante de ordens conhece o íntimo do tédio.

Na Corte as intrigas entrecortadas nos olhares
no modo de sorrir, de dobrar os guardanapos.

Os palácios são imponentes, gélidos, exaustos,
exaustos de promessas vazias e não cumpridas.

Ali não há indício
do suor forte da nossa gente
e da sua luta se debatendo das garras da miséria.

Não há o odor da morte
nos corredores dos hospitais;
do grito de fome de crianças nas creches públicas,
nas escolas cuja luz fraca, o conteúdo raso, pouco.

Sim, rogo para permanecer distante dos palácios:
fico com esses versos anônimos ao lado do povo,
não com o povo palavra oca, símbolo de filologia.

Falo dos miseráveis que perturbam o urbanismo –,
dos desdentados,
daqueles que fedem forte a azedo,
os que jamais serão dignos de cruzar com palacianos,
salvo na condição de subalternos, aos seus serviços –
a quem cinicamente são chamados empreendedores
(capitalismo periférico, ridículo aliado dos palácios –
neocapitalismo, os prefixos só maquiam as palavras:
palavras suavizadas e incapazes de mudar as coisas).

Serei acusado de rebelde, sou um soldado da arte –
disso me alimento, pois não há outra arte possível:
arte é rebeldia, busca de novos caminhos e veredas
(arte é descontinuar o rumo ao ponto do contínuo).

Por certo serei taxado de comunista, é inevitável –
inevitável na miséria epistemológica do momento.

O mundo tão bruto, talvez não mereça um verso;
mas, sabe, eu teimo, pois como disse sou soldado,
soldado do exército de um solitário já incorrigível.

Mais justo dizer que eu seja um anarquista-liberal;
liberal, porque creio profundamente no indivíduo;
anarquista, vez que o indivíduo supera os palácios
(isso é utopia, bem sei, e o que se pede ao poeta?).

Fico com os que não cabem no ventre dos palácios
para que não me falte a palavra que inquiete a vida.