a Fernando Pontes
Desconhecem o que seja esquerda ou direita,
sabem da fome, do desemprego, do descarte.
O que lhes dizem o dólar, as comodities?
O que lhes importa o chique sul global?
Na folha de papel, os direitos fundamentais
quedam opacos, indiferentes ao desamparo.
Os inconvenientes ocupam ruas e avenidas:
silenciam o discurso protocolar do governo,
alimentam as diversas antíteses da oposição,
que, depois, no governo, já os desprezam.
Eles, os inconvenientes, perturbam o mundo,
alimentam a literatura, desconcertam a estética.
Mostram as unhas sujas das estatísticas,
toldam o conceito pueril de democracia.
Os inconvenientes expõem as vísceras do poder,
as hipocrisias mais urdidas dos sádicos populistas
– aqui repousam as engenharias políticas estéreis,
ensaios acadêmicos aclamados pelos nefelibatas.
Eles estragam as paisagem dos edifícios nobres.
Jogam na cara da civilidade o âmago da vida,
o lado mais sombrio da arquitetura política.
Eles fedem a azedo, a urina, a fezes, a podre,
irremediavelmente condenados ao invisível.
Os inconvenientes buscam apenas sobreviver,
animais pulsando dentro do teimoso destino.
Eles deprimem os últimos poetas.
A vida é neles o não morrer em cada instante,
resistir a cada crueldade do mundo econômico.
Eles morrem de bala perdida indo ao trabalho,
ou deitado em um corredor do hospital público.
Ignorantes, só gostam de cachaça e música brega.
Os inconvenientes só trazem uma certeza:
sabem ser a vida bruta diante do céu azul.