(a Kelson Veras)
Um astro anão amarelo-fogo de 4,5 bilhões de anos,
de 15,7 milhões de graus Celsius, de hélio e nitrogênio,
rasga uma vez mais essa manhã diante de teus olhos:
a uma distância de 150.000.000 de km desse planeta
tendo a circunferência de 4,3 milhões de quilômetros,
o sol, divindade dos antigos egípcios, incas e astecas –
que agora te visita sem causar nenhum alarde na alma,
embora sem ele tu não existirias nem nada ao redor.
O embrutecer no repetir melancólico da rotina ocre
te impede de notar que estás suspenso no universo
e a Terra com massa de 5,9 sextilhões de toneladas
gira em torno de si mesma na suavidade das plumas
e nuvens, gotículas de água, suspiram suspensas no ar
respirando e solvendo ao fundo o mais delicado azul,
beijo da luz na atmosfera ao enamorar de átomos
de oxigênio e nitrogênio no soluçar louco das cores.
Vai girando ao redor de si e da imensa estrela amarela;
no dissipar de luzes e movimentos, baila o tom róseo –,
quando a tarde se espreguiça para tocar outro mistério.
Então voltas para casa fatigado pelo logro do trabalho,
quase não notas a noite, a lua, estrelas e a brisa amena.
Não te ocorre ser a lua o único satélite natural da Terra
e a Alpha Centauri brilha a 41,5 trilhões de quilômetros:
a rotação da Terra trouxe a noite à tua revelia e atenção.
Olhas a vida como um infortúnio, um galopar de alardes,
uma contabilidade sempre devedora à tua plena existência:
onde o cargo que mereces? o automóvel de teus sonhos?,
a casa de praia?, a felicidade das revistas e redes sociais?
Entre incrédulo e vencido estás acostumado à banalidade,
a esquadros sociais, a modelos do sistema, ao imperativo:
e segues, desatento, ao disfarce dos milagres.
Desiludido, tomas um copo d’água como algo desprezível
sem notar que esse solvente forja 70% do teu organismo
e participa de quase todas as reações a te manter vivo.
Absorto, olhas pela janela e não notas o espanto a tua volta.
Ainda não foi hoje a constatar essa estranheza:
a vida é angústia, mas, antes, beleza.