ESPANTO DA PLACIDEZ

TRADUTOR DOS POETAS
O cantar solitário do galo traduz a angústia e esperança dos poetas.

CALENDÁRIOS
Os calendários tentam confundir o tempo (…) em vão.

ESPANTO DA PLACIDEZ
(…) as nuvens vivem entre a placidez e o espanto (…)

DELIVERY
Na janela as nuvens me trazem surpresas ao correr do dia.

MIRAGEM
Sem simpatia a beleza é somente miragem.

MISTÉRIO
Um cientista, ao ler meus poemas sobre as nuvens, me telefonou solícito para explicá-las ao que retorqui: ─ Não: que graça tem entender as mulheres e as nuvens?

FAMÍLIA E TRADIÇÃO
(…) o rei da zona se casou com a rainha do lar (…)

DEDUÇÃO
O inferno deve ser enorme: não pode ser inferior ao tamanho da Terra.

MONOTONIA POLIFÔNICA
O que agrada na poesia cabocla? Os grilos, naquela monotonia polifônica.

PARTO
Os poetas não podem dizer da dor de parir, mas conhecem a emoção das mães em assistir a primeira celebração da vida pelo filho com a placenta ainda exposta.

PARTIDAS DOBRADAS DA MEMÓRIA
A memória esquece os credores, mas lembra para sempre dos inadimplentes.

CONFISSÕES DO SILÊNCIO
Quando criança gostava de ficar no batente de casa vendo a rua deserta: o silêncio me contava segredos.

ACOLHIMENTO
As bibliotecas têm o ar de acolhimento próprio das igrejas e com uma enorme vantagem: abriga o credo dos ateus.

BORDADO
Depois que comecei a escrever em computador, já não invejo as velhas bordadeiras.

COGNIÇÃO PLENA
O conhecimento não decorre da convivência, mas da afinidade.

DRAMÁTICO
Já imaginou o drama dos consumistas se amar fosse verbo intransitivo?

ATO GRAVE
Quem pensa muito não casa nem escreve um verso e muito menos vota.

INCORRIGÍVEL
Cômico é ver um poeta corrigindo um poema: logo o poeta que é um caso perdido.

PREMISSA MAIOR DA SABEDORIA
Mesmo no sol abrasador das certezas, cultive o canteiro das dúvidas.

DEVASSOS
O cristal se devassa pelo olhar e assim os corações humanos.

DISSIMULADO
O aforismo é um poema encabulado.

ERA ESPIRITUAL CIBERNÉTICA
Chegamos ao eu sem o outro: tínhamos por destino o vazio?

OS SOBREVIVENTES
Quem escapa à poesia, morre.

EXTRAVIO
Se tu não fosses tão linda, dessa beleza de silenciar as palavras, te fazia um poema: (…) mas pra que um poema, se por teus olhos safira soluça todo o Pacífico?

QUADRADAMENTE ENGANADO
Ele é tão quadrado que nem consegue estar redondamente enganado.

A VÍRGULA
Sabe, leitor, a vírgula?, é meu coração respirando diante de teus olhos.

FORTUNA PRÓPRIA
Não, minha filha, eu não tenho fortuna crítica: tenho fortuna própria” – disse à jornalista o insigne autor de autoajuda muito convencido de si.

CONFISSÃO DA LÓGICA
Eu não sei de nada fora dos meus esquadros.

ANTILÍRICO
Amor, erva daninha que teima em não morrer.

FANATISMO
A luz também cega.

COMPAIXÃO
Os poemas ruins também comovem (…) pela compaixão.

TRANSBORDANDO
Não sei dizer da saudade que sinto de você: não, isso não é um poema: é só meu
coração transbordando diante da verdade, porque o tempo sem ti, amor, é exílio.

EXISTÊNCIA DO IRREAL
O tempo não existe, mas continua fluindo.

PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Essas tardes que morrem iguais matam os mais diferentes humanos.

ESTÁTUAS
Na praça, todos estavam absortos quando pombos pousaram na estátua de João Lisboa que lia sua gazeta, distraído. Um dos presentes comentou com ironia: ─ Coitado do João Lisboa: sempre lendo o mesmo jornal. Ao que o outro respondeu, circunspecto: ─ Escrito com nosso tédio de cada dia.