Sou o poeta da flor e dos espinhos:
lírico, romântico, louco por Chopin;
amo as crianças e os amigos do azul,
os caçadores de brisa e de nuvens,
por isso gosto de olhar as fragilidades
com ternura e desprezar toda matéria,
posto que fugaz, ignorada no eterno;
e o eterno é só esse instante cintilante,
que agora passou diante dos teus olhos
distraídos, roubados pela pressa da vida;
o que me inquieta é a flor azul da manhã,
a sonolência da tarde, a entrega da noite;
olhar o transe do nada dentro do silêncio
e ali contemplar a metafísica nas entranhas
espargindo a gratuidade da serena beleza;
o tempo perdido nos noturnos de Chopin
é o vácuo das horas solfejando o delírio –
Chopin toca o silêncio em estado de cristal;
Ah, se o mundo fosse Chopin, o azul e a flor!
Mas há os espinhos perfurando corpo e alma,
apartando o mundo, as gentes, a poesia, a vida.
Eis um poeta dos trópicos, latino-americano –
brasileiro, colonizado, periférico e melancólico.
Um poeta a teimar em versos dentro da noite –
do mais denso escuro de um país cansado de si,
mergulhado no fosso complexo e normalizado
(maquiar o absurdo, arte do Estado brasileiro).
Em meu país afloram espinhos, lavoura de punhal
(as estatísticas gritam no deserto do abjeto alienar).
Dilacera, tanto azul extraviado em demagogia,
o banalizar da vida e da morte, o descaminho.
Nesse planeta a vida se entrelaça de flor e de espinho:
se o espinho espetar tua mão misture teu sangue à flor.