É necessário algo que mova tudo isso,
essa engrenagem enorme a que se chama

mundo,

e na qual estamos jogados, submersos, imersos
em flocos de nuvens, por vezes cinza,

triturados pelo relógio, a avenida, o salário
ausentes de nós mesmos –
nas promoções dos shoppings mais diversos:

a minha, a tua, a vida de Antônio e a de Maria.
arremessadas em dados, em beleza aleatória

(a repetência da engrenagem,
cultivam velhos hábitos,
surrados pelo comodismo)

Mas eis que numa manhã de abril acordo melancólico
e me deparo no espelho com o rosto desconhecido
que me esqueci de conhecer por toda a vida –

E dos assombros mais medonhos da alma, indago:
De onde vim, o que faço entre coisas, qual o destino?

Quem sabe se eu frequentasse workshops xâmicos nos Jardins?,
se fizesse imersões no budismo, uma viagem ao Tibet, ao Nepal?

Ou estudos dos ensinamentos druídas, ou buscar luz na cabala?
quem sabe o vedismo não guarde a essência de tudo?,
(e se outro meu temperamento resgataria os templários)

Poderia ser mais pragmático e me associar nas redes sociais
e ser seguidor dos que não sabem para onde vão,
mas parecem felizes em expor a intimidade
como último véu da existência:

talvez assim aprendesse a aceitar
o relógio, a avenida, o espelho.

Mas nada disso explica por que nos movemos,
não obstante parado, estático nesta cadeira
em que agora consulto as horas e sorvo chá.

(então tomo o elevador, ganho a rua
para me perder em pensamentos)

Caminho e a tarde galopa um corcel alado.
Paro: uma vitrine por um átimo me detém;
vejo ainda um grupo de jovens em manada:
ah, deve ser bom a proteção do coletivo,

(…) volto a pensar na vida, destino a desvendar,

mas diferente de todo final de novela
nem a morte é capaz de revelar
esse mistério.

E enquanto tudo isso se move em meio a gases e combustão
ardendo na carne, nas narinas sem indagações metafísicas,
tropeço em João, encontro com Maria,
discuto com Antônio e
de vez em quando ─
esbarro em mim por mero acaso

e continuo a caminhar sem me dar pelo incidente
sem sequer notar o dia outra vez se ofertando
tal uma tela em branco aos olhos de um pintor –

gritando em azul, zunindo e cintilante.