AS FIGURAS DE LINGUAGEM VÃO AO ANALISTA

a Fernando Calsavara

Catacrese: — O primeiro complexo é com meu nome. Que nome mais feio! Não tinha outro para me batizar? Penso em coisas estranhas como por exemplo cabeça de prego e o pior é que as pessoas terminam achando isso normal. Será que estou enlouquecendo?

Comparação: — Difícil reconhecer, mas confesso que morro de inveja da metáfora, bem mais refinada, muito elegante. Me sinto inferior: um lixo. Ainda serei tão bela quanto Afrodite.

Metáfora: — Parece que estou sempre fingindo, não consigo ser eu mesma. Não digo o que me vem à alma. Uma sensação de não ser objetiva, de não dizer a verdade, ali, na lata. Sou um arco-íris de angústia.

Metonímia: — O que faço com esse pedantismo que persegue e me tortura? O meu maior desejo, meu maior sonho é tocar o infinito nas miudezas.

Perífrase: — Confesso que só estou viva graças a catacrese: sua feiura me consola. Não consigo ser informal e por isso sou convidada somente para as solenidades. Morro de vontade de ir à feira dizer coisas vulgares tipo: o rei da zona casou com a rainha do lar.

Sinestesia: — Todos os esses sentidos me habitando ao mesmo tempo me traz uma crise de identidade e já nem sei quem sou. Penso que sou um azul se dissolvendo em fel.

Assíndeto: — Já não consigo viver assim como f de x. Lembra da equação de 1º grau f(x) = 3x + 1? X sabe da angústia da dependência. Desse modo vivo: a depender da vírgula para me comunicar nas mínimas coisas. Preciso pensar, decidir, viver.

Pleonasmo: — Sabe você o que é passar a vida inteira se repetindo? Sempre indo para trás? Talvez Sísifo me compreenda.

Polissíndeto: — Esse sentimento de que não superei a infância: falo como uma criança repetindo o mesmo conectivo na mesma frase. Tipo isso: “Fui ao escritório e fiz o trabalho e atendi o cliente e fui almoçar”.

Antítese: — Sou sempre do contra. Nunca estou de acordo com nada. Já estou no oitavo casamento. Não sei mais o que fazer com essa minha bipolaridade. Estou desesperada. Agora vai ser tudo ou nada.

Hipérbole: — Difícil viver no mundo das exclamações. Esse meu complexo de megalomania, de dramaticidade. Em tudo sou exagerada. Ando me sentido gorda, uma baleia.

Prosopopeia: — Com esse meu nome eu deveria dizer coisas engraçadas, jocosas a não mais poder. Ao invés disso, digo coisas patéticas e o pior: as coisas puxam conversa comigo e eu dou a maior bola. Estou enlouquecendo. Já não suporto aquela margarida de casa subir o muro para fofocar com a vizinha.

Antonomásia: — Me sinto tão popularizada, vulgar mesmo. Não tenho a grandiloquência da metonímia nem o lirismo da metáfora. Sou sempre uma terceira pessoa. Estou sempre representando. Até a Alcione do morro atrás de minha casa é mais autêntica do que eu.

Alegoria: — Já não suporto mais esse complexo de superioridade que a metáfora em incutiu. Esse sentimento de querer abarcar o mundo. Não consigo viver em paz. Minha vida se tornou uma ópera bufa.

Ambiguidade: — Ou não me entendem ou sou motivo de chacota. Estou pensando em falar em alemão. E o mais grave: ando cansada de não fazer nada.

Alusão: — Essa sensação de que estou sempre divagando. É angustiante. Como diz o Mario Quintana: “(…) um poema sempre fala de outra coisa”.

Oximoro: — Não fosse o surrealismo, já teria pirado: só ele é capaz de me entender. E depois essa angústia de que tenho tudo e não tenho nada.

Eufemismo: — Quase sempre me sinto um cínico, mesmo quando sou piedoso. Agora piorou: passaram a me chamar de passa pano. Estou pensando numa clínica de repouso. E para piorar, ultimamente estou com sobrepeso.

Disfemismo: — O problema é que não tenho tato, delicadeza, urbanidade. Perdi meu emprego de babá. Mas que culpa tenho eu se aquele menino é uma peste?

Gradação: — Um inferno viver na bipolaridade: uma hora quero o clímax e de repente vou ao fundo do poço. De repente meus olhos brilham, faíscam, incendeiam; logo depois, opacos, tristes, chorosos.

Apóstrofe — Não sei ao certo: ou não sei enfrentar a vida sozinho e por isso vivo invocando os outros: — Ó céus! Ou foi o vício adquirido na docência ao viver chamando atenção dos alunos?

Elipse: — Uma sensação inexplicável de vazio me acompanha. Me sinto omissa. Parece que não faço parte do mundo. A vida é para os que têm coragem de se expor: Ao vencedor, as batatas.

Zeugma: — Se eu fosse convocado a me definir diria: Meu problema é ora o pedantismo; ora, o vazio.

Silepse: — Só sei discutir ideias, as pessoas não me interessam. E essa impessoalidade me tortura a alma. Outro dia disse do Papa: — Vossa Santidade também é um pecador. Foi a maior celeuma na Igreja.

Hipérbato: — Sabe aquele cara travado que não sabe dizer as coisas de modo objetivo, direto. Pois bem, aqui estou eu. Depressivo ando.

Anástrofe: — Você já atendeu o meu primo Hipérbato. Ah, perto de mim ele é um descolado. Sempre comigo esses versos de Fernando Pessoa: “À espada em tuas mãos achada/Teu olhar desce”. Quanto mistério, quanta erudição! Não me contenho, mas invejo os simples, os pragmáticos, os objetivos e diretos.

Anáfora: — Me sinto sem criatividade, repetitiva, chata. A minha vida é um tédio. O que salva são os filmes e as séries. Encho um bote com uvas e me ponho diante da tv: como uva como pipoca.

Anacoluto: — Sou grilado com meu nome, porque parece palavrão. Ando muito distraído começo uma frase e já inicio outro assunto. Meu chefe vive dizendo que sou um cabeça de vento. E desconfio que ele não me promove por não confiar em mim. Estou aqui, agora já preciso partir.

Quiasmo: — Sou tão desconfiado de mim que vivo me olhando no espelho. Coloco uma roupa e digo diante do espelho: estou bonito, bonito estou. Mas no íntimo confesso que continuo inseguro.

Onomatopeia: — Vivo imitando sons: alguns são intraduzíveis. Cof cof é patético: nunca vi ninguém tossindo desse jeito. Escuto vozes. Seria esquizofrenia?

Aliteração: — Sou fissurado num som: em verdade, a minha vontade era ser cantor. Preciso superar esse trauma. Ando sem prumo e sem rumo.

Assonância: — Se o senhor conseguir ajudar a aliteração, estou na fila. Será que isso é inicio de um poema?: lira, lírio, lírico.

Paronomásia: — Ou me repito ou digo coisas muito semelhantes como se desconfiasse de tudo. Uma insegurança, sensação de perfeccionismo. Um troço esquisito. Agora mesmo sinto essa manhã tão vívida e essa manha no meu corpo inteiro.

Cacofonia: — Passei recentemente por um constrangimento tal que me vi obrigado a vir aqui começar análise. Outro dia, fui saudar minha adorável vizinha na reunião do condomínio e disse entusiasmado: — Diz, Graça! Até o Raimundinho, o inconveniente, me repreendeu. Estou arrasada: ando com pânico da fala. Me sinto amordaçada.

Anadiplose: — Ando obcecada pela lógica, desconfio de tudo que não tenha conexão. Um perfeccionismo que não me deixa relaxar. Ando sempre tenso. Tudo deve ser perfeito, perfeição que tira o prazer do erro.

Epanalepse: — Para não me alongar muito digo apenas que meu caso é um agravamento agudo do distúrbio da anadiplose. E ando em crise no casamento. Antes, no namoro era sempre consensual, compreensivo. Agora não: Ele é ele e pronto.

Diácope: — O meu sofrimento acontece porque só digo o óbvio. Em verdade sou o encontro do pleonasmo com o conselheiro Acácio. Esta a minha sina: tristes dias, tristes horas.

Paradoxo: — Estou deprimido e desde que a lógica deixou de falar comigo, um sentimento estranho se abateu sobre mim: me sinto só e mal acompanhado.

Repetição: — Minha vida é um tédio, sempre dizendo a mesma coisa ao correr dos dias. O pleonasmo ao menos ficou famoso ao ganhar a alma de Fernando Pessoa: “Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal!”. E como é charmoso o pleonasmo literário! A coisa mais cândida que consigo dizer é: ontem estava alegre e satisfeita.