a Lourival Serejo
Apenas eu e bia na sala do cinema em Teresina
(sábado,17 de agosto de 2024, sessão das 22 h).
O filme? O Mensageiro, direção de Lúcia Murat:
um drama ambientado em 1969, época do AI-5.
Apenas um filme brasileiro ignorado pela mídia
(nada de novo: só o Brasil indiferente ao Brasil).
Fiquei comovido na presença das cadeiras vazias:
como se a dor dos torturados já não fizessem eco;
o Brasil evita encarar as suas cicatrizes no espelho:
são tantas, profundas, ardem, gritam, ainda latejam
(a tortura se contorce no escuro dentro do silêncio).
O filme de Lúcia Murat é a poética da consciência:
pode flamejar nas mãos do soldado a límpida flor,
ainda em tempos sangrentos, intolerantes e loucos.
1969, tempo de apartar o humano da sua natureza:
a vida era um binômio, uma dicotomia inconciliável,
(Deus foi cruel comigo, me negando a verdade pura,
me ofertou o canteiro onde se cultivam as dúvidas –
e se Ele me entregou a verdade implacável, não a vi
e por isso dou graças, porque me poupou do tédio).
Na Guerra Fria havia a verdade exata da geopolítica:
os direitos individuais e os sociais em vidas imiscíveis
(todos creram, inclusive seguidores de Stálin e Hitler).
O que é a vida nesse mundo, senão o gozo da busca?
Da vida me basta saber ser ela um poliedro complexo,
onde condenado a me procurar até os olhos fecharem.
Acabado o filme, pensei no Brasil, no mundo, na vida,
na minha juventude maniqueísta, extraviada na angústia
de escolher um dos polos engendrados pela Guerra Fria
(engenho de paradigma sofista de pensar a vida no raso).
Não consegui fazer essa escolha, intuía o caos no existir:
vida, uma porta aberta em potência e infinitas derivadas
(ademais o poliedro não era só complexo, mas colorido).
Pensei no Brasil, demoradamente, e nas suas antinomias,
nos seus soluços de dor e nos seus hiatos institucionais –
por fim, voltei à metáfora de todas aquelas cadeiras vazias
(elas me diziam tanta coisa, tantas ausências, tantos erros).
Sim, o novo caminho aberto, o muro de Berlim derrubado,
ditaduras desmascaradas, suas qualificações desnecessárias
– nas ditaduras os adjetivos não modificam o substantivo –
Pensei em 2022, as pessoas pedindo intervenção no quartéis.
Portavam a Bíblia, invocavam Deus, pátria, família, liberdade.
Voltei ao filme e lembrei de um Deus abençoando a tortura;
a pátria dividida, as famílias enlutadas, a liberdade no garrote.
Lembrei da poesia no exílio, desassossego do Ferreira Gullar;
Vladimir Herzog morto, Rubens Paiva morto, sórdidas celas.
Toda angústia de Zuzu Angel em busca de Stuart, seu filho –
Stuart Angel morto, Zuzu Angel morta, tantos jovens mortos;
tantos nas valas comuns, quantos anônimos lançados ao mar;
jovem soldado morto, atentado no aeroporto dos Guararapes,
bomba no Riocentro, guerrilhas urbanas e rurais, culto ao ódio.
─ Ó Meu Deus, perdoai-lhes, ainda não sabem o que fazem!