a Isabel e Sylvia

A casa de batente alto e paredes nuas
era toda escancarada para o mundo.

A casa tinha porta e o vão da janela
(a única janela em plena liberdade):
a rua invadia com olhos indiscretos.

E durante o dia era o desatar de toda vida:
o vendedor de paladar em fatias de bolo,
o filho do vizinho rico a desfilar de carro
e a fazer caretas a mim e às minhas irmãs
(ele sabia que papai só tinha uma bicicleta).

Na hora do almoço, a solenidade se dava:
era meu pai fazendo planos improváveis
e mamãe lutando com a asma dos filhos
(com fé, ervas e remédios do Seu Parente).

Quando era noite o espetáculo cessava:
mamãe pregava o pano e cobria a janela
e logo vinha o vento e abria uma fresta
por onde eu via o céu, a lua e as estrelas
que brilhavam (…) que brilhavam (…)
quase iguais a todos os meus sonhos.