Licão de economia

Havia aguentado muito, durante o namoro, aquele sogro metido.

─ Raimundo, negócio mais besta você fez: trocar o alazão por aquele pangaré.

Engraçado! Dizem que sogra atenta. Pois Dona Joana é calma, não se mete e não disfarça gostar de Raimundo. E cá para nosso gasto não faz favor: homem trabalhador, honesto e destemido. Primeiro a acordar, trabalha de sol a sol e no seu direito não teme ninguém.

E aquele não é um sogro qualquer: em todo povoado de Moitas, em todos os tempos, nunca houve e nunca haverá homem mais avarento que Januário. Faz questão de tudo. Economiza tudo que pode. Detesta desperdício. E toda forma de uso é desperdício. A única pessoa no mundo que sabe economizar é ele. A mulher é uma estragada e a filha, uma aluna dela. Mas ele, que sempre passou dificuldades, sabe pensar no dia do amanhã. “Eu sou a formiga e vocês as cigarras”, costumava dizer para justificar sua avareza radical. Não compra roupa para ele: “Remendo no pano dura um ano”. Só tira o dinheiro do bolso escondido dos outros para ninguém saber quanto tem. A mercearia é rigorosamente controlada por ele: “Está aqui, mulher, o dinheiro da carne”. E Dona Joana retrunca: “E o dinheiro das verduras”. Aí Seu Januário dá de ombros, ou diz: “Compra só carne, não precisa enfeite não, mulher”!

Bem, mas desde que começou o namoro com Maria Rita, Seu Januário passou a dar seus pitacos. ─ Raimundo, Maria Rita sempre teve de tudo: nunca trabalhou no pesado. Não acha melhor pensar melhor antes de casar? Namoro é só meu bem e brisa ao luar. Depois, a vida maltrata. Não tenho nada contra você, mas não era melhor firmar mais os negócios, economizar mais para casar?

Raimundo se mantém calado. Tem vontade de soltar um palavrão, às vezes sente fel na boca, mas engole seco. Dizendo alguma coisa com o pai, Maria Rita nunca mais olharia para ele. Não, isso ele não ia suportar. E, depois, como o velho fazia, parecia provocação. Naquela cilada, Raimundo não ia cair.

No fundo, Seu Januário achava Raimundo muito gastador: ─ Joana, o homem tem a vista muito alta. Quer sempre botar o chapéu onde a mão não alcança. Sempre comprando, trocando. Pedra que muito rola, não cria limo, mulher!

Em tudo, o velho tinha que desfazer. Só ele sabe das coisas. Raimundo ainda tem muito o que aprender pela vida. “Um inexperiente” gostava de classificar.

No aniversário de Maria Rita, Raimundo chegou mais cedo, banho tomado, todo nos conformes, (como) Dona Joana o notou sorridente, desconfiando que havia uma coisa diferente no semblante dele. Chegou a comentar com Seu Januário, mas este apenas resmungou: “A mesma cara de sempre!”. Maria Rita também estava diferente no vestido estampado, bem acinturado que valorizava as ancas bem formadas e que fez Raimundo tropeçar na cadeira, cego de desejo.

Depois de conversarem um pouco, Dona Joana botou o jantar. Já sentados na varanda da casa, pois apesar de humilde, Maria Rita vivia com certo conforto, naquilo que era possível ali no campo. A conversa ia morna, vagarosa, enquanto a lua passeava na frente da casa, nas mediações do curral, quando Raimundo levanta-se de súbito: pigarreia, passa a mão trêmula na testa, gagueja e começa a falar: ─ Bem, eu, eu…, bem como vocês sabem… Bem, Seu Januário, quero pedir a mão de Maria em casamento.

Seu Januário fica um longo minuto mudo. Não se sabe se por perder Maria Rita ou pela despesa que teria com a festa de casamento, ou se pelas duas coisas, o que seria o mais provável. Uma lágrima corre na face de Dona Joana: afinal era a única filha.

─ Que brincadeira é essa, Raimundo? pergunta Maria Rita sem conseguir disfarçar o contentamento, vendo seu noivo sacar duas aliança de dentro de uma caixinha.

Percebendo o estado de choque do marido, Dona Joana pergunta a Januário:

─ Anda homem, dá tua resposta ao nosso genro?

─ Que sejam felizes, consegui dizer.

Raimundo, ciente de que seu maior adversário está tonto, não perde a oportunidade para marcar a data do enlace:

─ Então 20 de maio, casamos: dia do aniversário de Maria Rita e mês das noivas.

Dona Joana vai lá dentro pegar uma garrafa de cachaça, no barril mais antigo da casa. Brindaram. Como a alegria era tanta, só Raimundo nota Seu Januário sorrir sem graça.

Raimundo fala com desenvoltura de seus planos para o futuro: diz para a surpresa de todos que havia comprado uma fazendola, nada muito grande, mas o suficiente para sustentar a família.

Não precisa dizer que dali a exato um ano estavam casados. O casamento foi o melhor da região nos últimos vinte anos. Padre, igreja, véu e grinalda. Dona Joana chorou, Seu Januário engolia seco e foi tudo uma belezura, na voz de Beza, um dos moradores do povoado Moitas, onde se deu o casamento. Depois da igreja, festa, sanfona e muita, muita bebida e Seu Januário a se lamentar ao compadre Cristóvão: ─ Uma gastança compadre! Nem quero somar.

Não havia ainda um mês de casado, e Seu Januário decide fazer uma visita à filha. Dona Joana não pode ir: uma quebradeira no corpo. Ainda pede para o marido adiar a visita para outra semana, mas a vontade do velho em saber do casal e dar os seus pitacos não agüentam esperar.

Já se anuncia o crepúsculo, quando Seu Januário cruza a porteira da fazendola. Quando chegou dentro da casa, não se contém, apaga a lamparina, depois de beijar a filha: ─ Raimundo, vejo que continua no desperdício. Essa hora e lamparina acessa.

Raimundo quis responder, agora que não tem mais perigo em perder Maria Rita, mas esta assumiu a culpa, dizendo que tinha acendido a lamparina para terminar o jantar, porque a cozinha é muito escura.

─ Então Raimundo, abra uma janela aqui, diz apontando para o poente.

Maria Rita ri. Raimundo procura mudar de assunto, mas Seu Januário continua a desfilar lições de economia. Agora que estavam casados tinham de economizar. Afinal era começo de vida. E tudo estava pela hora da morte. A querosene, por exemplo, todo dia era um preço. Usar então só o necessário.

Enquanto Seu Januário fala, a noite vai entrando dentro de casa e chega a tal ponto a escuridão que o velho conclui seu raciocínio:

─ Tudo é uma questão de economia. Quando cheguei aqui havia desperdício: uma lamparina acesa à luz do dia. Agora estamos conversando no escuro. E eu pergunto: precisamos de lamparina para conversar? Não. Já nos conhecemos, estamos em família: não precisa um ficar olhando para a cara do outro. Às vezes, a gente conversar sem olhar para a cara do outro, tanto melhor.  Raimundo teve vontade de soltar um palavrão cabeludo.

Maria Rita ri de tanta preocupação por parte do pai. Mas Seu Januário está com saudades do tempo que dava pitacos a toda hora:

─ Bem, agora que dei minha lição de economia para vocês, vamos jantar. E para jantar precisamos acender a lamparina, enquanto Maria Rita coloca a mesa. Depois, podemos voltar a ficar no escuro, porque todos conhecem o caminho da boca.

Quando Seu Januário acendeu a lamparina, tomou um susto ao ver Raimundo totalmente nu em sua frente. A voz do velho cresceu:

─ Mas o que pouca vergonha é essa, Raimundo?

Raimundo apenas explicou que no escuro ninguém o vê, então resolveu tirar a roupa: tudo era uma questão de economizar.

Seu Januário meteu o chapéu na cabeça e saiu amuado. Mas antes de chegar em casa, já começava a considerar a idéia daquela nova lição de economia. Agora estava aliviado: sua filha estava protegida. Raimundo era outro homem, preocupado em economizar: o casamento lhe havia feito bem.