Direito Comparado. Método ou ciência?

Direito Comparado. Método ou ciência?

Sumário

1. Caráter científico do Direito.
2. Caracterização científica do Direito Comparado.
3. Metodologia em Direito Comparado.
4. Conclusões.

1. Caráter científico do Direito

Para se evitar o máximo possível o dogmatismo e, consequentemente, as verdades inquestionáveis dos axiomas, impõe-se questionar a adjetivação científica do Direito, considerado em sua totalidade.

Inicialmente; deve-se entender que a linguagem é o instrumento para a comunicação entre os homens, em seu aspecto coloquial ou científico. Assim nenhuma ciência escapa da elaboração de um discurso. Michel Miaille (1979, p. 29) apresenta o alcance do discurso como elemento da ciência, ao entender que a linguagem se forma a partir de um corpo de proposições que, dentro de uma lógica, se reproduzem e se desenvolvem. Por evidente que a linguagem busca traduzir o empírico em um nível de elaboração que a comunidade acadêmica buscou denominar científico.

A ciência, portanto, é um produto das indagações e soluções elaboradas ao longo do tempo, com indispensável carga empírica. Científico, então, seria toda demonstração convincente de um fenômeno, para o qual ainda não há paradigma novo a questioná-lo. Com essa afirmação, percebe-se que nada é definitivo, a priori, no campo científico. Não fosse assim, a física de Newton não teria cedido espaço ao gênio de Einstein. A demonstração científica, portanto, deve superar os denominados obstáculos epistemológicos para merecer a mais elevada qualificação do conhecimento humano. Os denominados obstáculos epistemológicos receberam a seguinte consideração de Michel Miaille (1979, p. 32):

“Com efeito, não se trata de modo nenhum de umas quantas dificuldades de ordem psicológica, mas sim de obstáculos objectivos, reais, ligados às condições históricas nas quais a investigação científica se efectua. Assim, estes obstáculos são diferentes segundo as disciplinas e as épocas, pois testemunham, em cada uma das hipóteses, condições específicas do desenvolvimento da investigação científica”.

Dentro desse panorama, um determinado conhecimento científico só se concretiza quando transpõe os denominados obstáculos epistemológicos e só se mantém de pé ao resistir a novos paradigmas que o colocam à prova. Mesmo aquelas verdades absolutas denominadas axiomas não estão imunes de serem superadas pela pesquisa científica. Em análise radical, todo o saber humano é temporal, com exceção das chamadas verdades reveladas, como é essencialmente a teologia, particularmente com relação a fé, e na qual, curiosamente, nasceu o fundamento do Direito.

Em princípio o Direito sofreu durante longo tempo de uma crise de identidade, pois o seu objeto variava da teologia à filosofia, de um modo ou de outro se localizando no conhecimento metafísico. Há autores que não reconhecem um caráter científico ao Direito: exemplifique-se com Tércio Sampaio Ferraz (1973, p. 160). Tal corrente de pensamento reserva ao Direito um substrato de ordem técnica ou de arte, considerando-lhe parte da sociologia, da história e mesmo da etnologia.

Neste sentido, a ciência do Direito deve muito ao esforço de Hans Kelsen (1984, p. 109), ao delimitá-la, claro que em um corte epistemológico, mas de modo peremptório, nas suas pretensões de criar um sistema de lógica pura do normativo como objeto da ciência do Direito.

“Na afirmação evidente de que o objecto da ciência jurídica é o direito, está contida à afirmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o objecto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou consequência, ou – por outras palavras – na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas.”

Hans Kelsen (1984, p. 118) ainda classificou a ciência do Direito como normativa para diferenciá-la das ciências causais. Evidente que é possível se abrir uma crítica a Hans Kelsen, não por ter delimitado com precisão singular o substrato em que o conhecimento jurídico seria peculiar, mas por tentar isolar a norma em uma bolha de plástico, como se esta não necessitasse de um olhar de cunho sociológico e filosófico. De modo empírico se pode afirmar que nenhum legislador nem qualquer operador do Direito pode ser insensível à sociedade para a qual se destina o comando normativo, nem lhe pode deixar de reconhecer o valor que catalisou a existência do dispositivo jurídico.

A partir da delimitação do objeto do Direito e das possíveis generalizações epistemológicas em tomo de sua fundamentação, lembra A. L. Machado Neto (1969, p. 19-20) que os argumentos de Kirchmann, um dos mais famosos negadores da ciência do Direito, caiu por terra. Principalmente quando se percebe que a dinâmica epistemológica deixou de ser objeto exclusivo das ciências naturais, pois se refutava o Direito como ciência devido ao seu caráter instável, posto que fenômeno histórico.

O Direito, portanto, merece o caráter científico, porque detém um objeto específico. Aliás, muito a propósito lembra a esse respeito André Franco Montoro (1991, p. 95). Evidente que não é apenas a existência do objeto que caracteriza a ciência, mas a maneira como este é investigado. Assim o Direito é ciência porque, além de deter um objeto determinado para suas considerações, o jurista elabora sua investigação com rigor técnico ditado pela lógica sedimentada na experiência exposta aos novos paradigmas.

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