Por sobre a cidade,
em plena segunda-feira,
o arco-íris sorri
entre despojado e irônico,
observando a vida cá embaixo:
ônibus, buzinas, semáforos,
esquadrinham o caos
em meio à pressa e à angústia.
O que se tem por vida,
ao arco-íris lembra
a morte
lenta e indiferente da beleza
(há tantos corpos vagando no vazio).
A vida toda de adjetivos descartáveis
(a morte, único substantivo ao alcance).
Os relógios neuróticos alucinam o tempo.
(o amor pragmático; o sexo mecânico –
as flores, natureza morta, opacas, opacas).
Tudo em lúgubre se tornou. E a poesia?
A poesia? É, agora, uma prosa mórbida,
desencontrada do espanto e do cintilante.
Recita o logro das almas sem esperança,
perdidas de gente de carne, osso e dor –
tudo passa pelo filtro da imagem,
que não passa pelo tempo
(Cronos morreu e nós o matamos).
Em verdade, todos os mitos morreram
(o humano é bastante em si e no espelho).
A arte já nada inventa, não cria o mundo.
(a arte é cúmplice da crueza do mundo:
um casal nu em uma exposição comove
bem mais que o David de Michelangelo).
As crianças invejam os adolescentes.
Os adultos invejam os adolescentes.
Os adolescentes se miram no espelho.
Os velhos ficaram mudos, empalhados.
E a filosofia?, indaga o arco-íris receoso.
Os influencers simplificaram todo Kant
e o Kafka é o último dos cancelados –
tinha ele o hábito de frequentar bordeis.
Coitado, era viciado em pornografia
e isso estragou toda sua literatura
(a alma de Kafka tomada
pelo horror da vida,
deixada nos seus textos flamejantes
já não conta, passou despercebida).
Os contratos normatizam os namoros:
o amor, objeto da hermenêutica jurídica
(um japonês se casou com um holograma,
o soft lhe foi desconectado e – agora –
veio o trágico: ele está viúvo).
O arco-íris sorri amarelo,
indagando sem resposta
por que tanta luz
desperdiçada na manhã?