Primeiro escrevi uma palavra. Qual palavra?
A palavra vermelho. Aí paralisei. Congelei –
Pensei na teoria literária, também na lógica.
A palavra vermelho delimitou o poema,
pois restringiu as expectativas do leitor –
não poderei, por exemplo, invocar
o girassol,
posto que esse amarelo.
(e ninguém entenderia
um girassol vermelho).
E se eu trocasse o vermelho pelo amarelo?
Outras seriam as expectativas frustadas –
não poderia, por exemplo, invocar a grama.
(nunca se deve pensar em teoria literária,
em lógica, no cânone, ao regar o poema).
A linguagem sempre limita os símbolos:
cabe ao artista, nas suas frestas, ousar.
Diante do impasse fui à sacada do apartamento
(esquecido do poema, olhei a rua pacata, solitária
e, de relance, uma menininha com vestido verde,
brincando na grama com um cachorrinho branco).
Foi nisso que tive a sensação surreal
do vermelho se precipitar
para se juntar à brisa
que brincava na vulgar manhã.
O vermelho se dissolveu em opaco, desapareceu
em meio ao azul em estado de graça em maio.
Uma borboleta multicolor se afeiçoou a mim –
também foi à brisa desocupada, fagueira, leve.
(na outra varanda o vizinho reclamava do calor,
das despesas, da própria banalidade do dia).
Voltei a pensar a poesia nos esquadros lógicos,
sem ânimo, ensimesmado, vencido pelo enfado,
sem verso, sem áurea, sem rumo, sem mais nada.
Na varanda olhava absorto aquele espetáculo
de que era espectador único
(o mágico desse ofício só ocorre
no desarranjo do mundo
na esgrima com as palavras
em solidão-solitude).
É no desbragar de partículas que a arte cintila,
pois é dela essa contraposição, uma certa birra,
uma revolta abrupta,
disruptiva e colorida.
Mirei uma vez mais a menininha, o cachorrinho
e a grama, num verde viçoso.
Foi quando a brisa,
explodiu,
em um facho avassalador,
atingiu minhas retinas
misturando o vermelho com o verde
e tudo desapareceu
para surgir um cometa amarelo
que rasgou o céu pilotado por Van Gogh
que todo em êxtase gritava entre girassóis:
─ O poema, meu caro, liberta a poesia,
tocha louca em descarga do onírico –
esse absoluto desmantelo do mundo.