AVES MUERTAS

Goya pintou o sombrio Aves Muertas:
em que pensava ele quando o pintava?

Nunca se saberá exatamente.

Os críticos de arte ofertam algumas pistas:
Goya, precursor da pintura contemporânea,
ícone da vanguarda pictórica do século XX,
ficou impactado pela Guerra Peninsular

ou Guerra da Independência Espanhola
(a Espanha a lutar contra Napoleão,
seu antigo aliado e logo desafeto).

A guerra se estendeu entre 1807 e 1814):
nesse período nasceu esse quadro lúgubre,
fruto dos horrores próprios da guerra.

Com Aves Muertas
e peças de idêntica natureza,
Goya foi a Estrela de Belém
do impressionismo
dizem as ilações mais autorizados.

A natureza morta de Goya
rompia com a tradição:
não era fotográfica,
nada de delicadas – completam.

De nada disso me ocupei
diante de Aves Muertas.

Ali, no museu do Prado,
do outro lado do Atlântico,
lembrei
da distante Santa Inês
da minha infância –

onde galinhas morriam,
seguramente de gogó –
amontoadas em alarido
de desamparo e agonia.

Meditei sobre a morte,
esse abandono da existência,
e
sobretudo pensei
no absurdo da vida

(de igual modo no seu milagre,
no seu facho de poesia).

Nunca saberei em que pensava Goya
ao pintar o quadro:
muito menos esgotou ele
o que sentiria seu expectador.

E nada disso, em verdade, importa,
salvo que a arte entrelaça as vidas

ao respirar no além do espaço-tempo,

soprando no imprevisível.