O poeta vai deixar: amigos, livros,
sonhos, a madrugada solitária.
Esta sua última noite no mundo
e não é mais possível o verso
nem a namorada, nem as flores:
a revolução juvenil,
os movimentos literários
que se perderam nos bares
ou na lógica mais estéril
(eram tantos sonhos
a iluminar a vida).
Agora a morte não é só palavra,
transfiguração de pura metafísica
(arte filosófica de atravessar).
A morte, agora, é a morte sem metáfora:
o findar das coisas grandiosas e miúdas
(manhãs e tardes tropicais
soluçando de saudade).
Finalmente liberto da angústia da palavra
– que constrói o mundo por aproximação –
a beleza flerta com a fluidez dos conceitos
e o gozo da poesia atravessa a morte.
Resta ao poeta contemplar o silêncio
e o poema entalado na garganta.