Saber mesmo quem sou,
não sei e é isso que procuro
desesperadamente
por entre retratos, livros,
rostos, cheiros e histórias
(meus avós morreram
e tantos parentes ),
não tive irmãos: sobraram
esses olhos melancólicos
essas mãos vazias
e esse gosto pelo silêncio
que compõem uma imagem
de angústia no espelho.
Agrego vocativos: doutor,
professor, poeta.
– aos quais respondo sem convicção
com certa dose de angústia e solidão:
poeta o que mais fere na alma,
pois se é poeta para o outro:
o ser espalhado em comunhão.
Em verdade, poeta não é exato ser,
antes uma voz desejando com ardor,
um timbre, uma dicção de pertencimento,
identidade que o cego reconhece no escuro.
Sei – por agora – que sou uma voz:
uma voz em busca de um timbre,
por saber que, antes, o timbre reclama uma voz:
essa que ecoa de Portugal, d’África, da Ásia
(do velho mundo luso)
e que chegou a América, nova:
a mesma voz de meus avós
dos meus pais, tios e primos
e dos irmãos que não tive.
Sei que sou a voz ancestral,
que um dia leu Camões
sem ter lido,
porque cultura
é a beleza do involuntário
agregada ao humano.
E com Camões recitamos a voz
de uma língua que não é minha,
(pois veio à revelia da vontade),
mas sem ela não há timbre nem mundo:
não me reconheço no silêncio do espelho
nem na travessia do mundo na alma.