DEDICATÓRIA A MARIO QUINTANA
Aceita, Mario, este plágio, de autêntico apreço.
GRATIDÃO
a Mirella Monte
Ajudar é a recompensa por existir.
PARCERIA
Se eu houvesse privado com Mario Quintana faria a proposta de voltar ao Alegrete:
— Vamos a tua infância: apura o ouvido aos grilos que eu seguro a lamparina.
CUIDADO
Nem sempre a risada será frouxa, muitas vezes, a poesia sorri de soslaio; outras entredentes, de canto de boca, pelos olhos, nas entrelinhas ou abafadas como nas igrejas.
ADVERTÊNCIA
Toda vez que for escrever, evite, postergue o quanto puder, vá ao cinema, faça palavra-cruzada, ouça música e lembre de que já há poemas demais no mundo, o que falta é beleza.
INICIAÇÃO
Se tiver vontade de rasgar os inéditos, queimar os livros publicados e a alma sentir o vazio mais profundo é sinal de que começou a entender o que é a poesia.
MISCIGENAÇÃO
Mistério e graça ter nascido no Brasil de tantas raças. Lamento tanto por aqueles que nasceram n’alguma raça pura: já vieram em desvantagem, sem a ginga das misturas que sabem realçar o colorido – e aqui entre nós – a poesia carece tanto do arco-íris.
TRIBUTAÇÃO DA NUVEM
a Mirella Monte
No meu antigo manual de direito civil se esclarecia a diferença entre bens e coisas, segundo a qual estas últimas formam o gênero e aquelas são espécies, pois com exceção do homem tudo é coisa: os bens são as coisas suscetíveis de valor econômico. Sempre tive grande apreço pelas coisas e quanto mais desprezíveis, maior o meu afeto. Guardei com alívio a sentença peremptória e salvadora: “o direito jamais irá se interessar pelas nuvens”. Eis que agora, o título de um livro jurídico: Tributação da nuvem. Estou melancólico, Mario: os poetas foram despejados!
EQUAÇÃO URBANA
A cidade e suas urgências, o poeta e sua contemplação.
CONCORRÊNCIA
Em nome de Deus, divinas atrocidades; em nome dos homens, as seculares.
GUIA AO JOVEM POETA
Escreve um verso, leia 100 livros e contemple a eternidade. Depois, volte: corrija o verso, leia os 100 livros com mais vagar, com grandes pausas. Ah, nunca te esqueças da eternidade: ela, a eternidade, devora com deleite os poetas ávidos em publicar.
DISCUSSÃO ENCERRADA
A morte prova, que no final, o bem sempre vence o mal.
ESPÓLIO SEM POSSIBILIDADE DE CONTENDA JUDICIAL
E para cada um de vocês, amados filhos, deixo um poema.
FLUXO
No instante em que meu coração parar, em algum lugar uma flor está se abrindo.
O mandacaru, indiferente à brisa, não tem esperança, mas por ironia, se vestiu de verde.