Quando meu pai chegou com o passarinho na gaiola
foi uma alegria tão forte e encantadora difícil de dizer.
Tinha eu cinco anos e aquele o mais belo presente:
cismei que o passarinho devia dormir no meu quarto
– e Babá, que fazia tudo por mim, cobriu a gaiola –
(e o passarinho dormia ao pé da cama toda noite):
a minha vida ganhou um sentido: o canário de ouro
(de ouro, por ser amarelo: não havia ainda pleonasmo).
O passarinho era cuidado como um príncipe em palácio
(Babá lhe dava alpiste, água e a gaiola limpa todo dia),
mas algo era estranho: o canário de ouro não cantava.
O pássaro era triste (Babá dizia que ele tinha olhado):
canário de ouro me iniciou nos mistérios da melancolia.
Certo dia, Babá foi limpar a gaiola e o passarinho voou:
foi ao parapeito da janela, depois para o poste e por fim
voou até atingir o cajueiro da casa de Seu Dico Moreno.
Naquela tarde Seu Dico Moreno tocava seu sax taciturno:
no cajueiro o canário de ouro se demorou atento ao sax
e, inesperadamente, começou a cantar, a cantar, a cantar
(canário de ouro fez dueto com o sax de Dico Moreno)
e voou, voou, voou, voou para longe e nunca mais.
Foi a tarde de prantos: Babá chorava se culpando pela fuga;
– eu com saudade do canário de ouro e pela gaiola vazia –
Depois o tempo foi serenando o luto e a vida seguiu:
o menino foi descobrindo que a vida não é só poesia,
pois há as sombras da existência que nos acorrentam
e que há muitos encarcerados em suas gaiolas de ouro.
E há um lado perverso no humano que é todo posse
a aprisionar a vida e as almas ao gosto das ditaduras,
ao gosto do homicídio, do feminicídio, da escravidão.
O canto do canário de ouro ensinou ao triste menino:
há algo tão belo quanto o voo do pássaro: a gaiola vazia.