a Américo Azevedo Neto
Bumba meu boi, lamento em festa, melancolia e brilho:
os artistas, feiticeiros da luz a rasgar os olhos das trevas,
sabem que todo o sonho da noite é se fazer celebração
por isso rufavam os tambores nos folguedos de junho:
um menino em êxtase sentia a terrar tremer de alegria
ao som das matracas a tilintar pétalas cintilantes de luz.
As noites de Santa Inês se envolviam em tanto mistério,
em tanto encanto que tudo sonho nas entranhas da vida,
no deslizar de cores ao deslumbrar do simples em belo:
o destino do povo é buscar o apolíneo sempre sovinado
(que o povo é inculto, tosco, insensível por obra natural)
Mas o menino via que o povo levitava em busca da luz,
da transfiguração do banal em cintilante matéria da vida
que a arte tem por último compromisso comover a alma
e burilar a ancestral civilidade habitada em todo humano
que por egoísmo aparta e hierarquiza os espíritos-irmãos
(há crime maior que negar poesia ao sedento de sonhos?)
Quando Lobato tocava o tambor, toda África se acendia,
atravessava o Atlântico e celebrava o concerto universal:
ali, não havia mulheres, homens, meninos, ricos e pobres
– nem brancos, negros, pardos, doutores e analfabetos –
só a poesia, luz na carência humana, pulsando colorido.